Dia das mães: a trajetória de uma profissional de segurança cearense em sua maternidade atípica

10 de maio de 2021 - 10:10 # # # # # # #

Apesar de tempos de pandemia, quando os encontros entre as pessoas estão mais restritos, quem teve a oportunidade de entrar na casa da inspetora da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), Marcela Bastos, já se depara com duas cenas: a primeira é a imagem de Maria, que para a religião católica representa a mãe de Jesus Cristo. Sem deixar o respeito a todas as crenças de lado, como ela mesma ressalta, já é possível ver um contexto emblemático de Dia das Mães na casa da profissional de segurança. A segunda cena, claro, é a pequena cachorrinha Arya, que late com um instinto protetor para os desconhecidos que chegam.

Por falar em proteção, a palavra remete imediatamente ao significado de mãe. Neste dia 9 de maio, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) conta parte da história de Marcela e da pequena Melina, ou como carinhosamente é conhecida, a Mel, de um ano e dez meses. A profissional de segurança cearense, que ingressou na Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) em 2014, começou sua trajetória como mãe em 2019. De lá para cá foram vários desafios e aprendizados que ela levará para todos os âmbitos de sua vida, inclusive o profissional como inspetora.

“Eu acredito que a gravidez é um sonho para muitas mulheres. Quando eu casei, com dois anos eu já estava grávida. Foi algo bem projetado, bem planejado. Comecei a fazer todos os exames de gravidez, foi algo esperado e um sonho realizado. Durante a gestação, nós tivemos alguns indícios que a Mel poderia ser uma criança atípica, mas nada confirmado. Inclusive, da mesma forma que surgiram exames que levavam à dúvida, fazíamos outros que descartavam”, conta.

Assim iniciava a maternidade atípica de Marcela, que é casada com o também inspetor da Polícia Civil, Fabrício Soares. A pequena Mel veio ao mundo com algumas malformações e uma síndrome rara conhecida por “Síndrome do Olho de Gato”, ou seja, a pequena nasceu com os olhos menores do que os de outras crianças.

“Ficávamos naquele impasse, questionando: será que ela virá diferente do que a sociedade estipula como ‘normal’? Ou será que ela será uma criança típica? A Mel nasceu uma criança com algumas malformações no olhinho, no ouvido e também com uma fenda no palato. A fenda no palato nós já fechamos por meio de cirurgia, em outubro do ano passado. E tem sido para gente, um mundo de descobertas”, revela.

A fé de mãe

Como descrito anteriormente, a fé de Marcela é latente. Próximo à imagem de Maria e também por outros locais da casa, é possível se deparar com fotografias da família, do aniversário da Mel e do momento do parto. Por falar no parto, a inspetora revela que foi após esse momento, que graças a sua crença, ela pôde sentir-se “acalentada”, como ela mesma descreve. Isso porque foram as palavras da médica que a fizeram lembrar da sua gestação e de como ela se apegava à fé para superar as dúvidas e os medos.

“Eu recordo que a médica me disse: ‘sua filha nasceu com algumas questões, nos olhos, nos ouvidos e na boca’. Naquele momento, eu não me desesperei, porque foi um acalento, na verdade. Porque eu lembro que durante a gestação, quando eu retornava do trabalho, já à noite, eu deitava no sofá de casa e começava a tocar na minha barriga e imaginar a Mel sendo tocada nos olhos, nos ouvidos e na boquinha dela. Eu cantava aquela música de consagração de Nossa Senhora: ‘consagro a ti meus olhos, meus ouvidos, minha boca…’. Então, quando a médica falou que ela nasceu com questões nos olhos, ouvidos e boca, me remeteu a esse momento. Eu percebi aquilo como um toque divino em mim, dizendo para ter calma, que isso tudo já estava programado e que daria tudo certo”, descreve.

Falando em acalentar, quem não gosta de um carinho de mãe? São durante esses momentos que Mel mais sorri. Mas, um momento tão bom quanto é durante a sua primeira refeição, quando ela come a sua fruta preferida. Mel é rodeada de amor maternal e de todo o carinho e cuidado, como deve ser. “Eu entendo como algo divino, uma missão, algo que tinha que acontecer. No começo a gente reza muito pedindo a cura dos olhinhos da Mel, do ouvidinho, que ela escute. Porque a princípio sequer sabíamos que ela tinha globo ocular. Eu não sabia como era a escuta, como era a visão, então foi tudo sendo descoberto”, conta.

Uma das frases mais fortes de Marcela como mãe foi ao comentar sobre a importância da aceitação e de como isso reflete para o restante das pessoas. “Eu sempre fazia pedidos de cura, mas hoje eu vejo que eu não peço mais pela cura da Mel, eu não a vejo mais como uma criança que é imperfeita e que precise ser curada, que precise ser transformada. Eu vejo mais como a cura do meu olhar. É o meu olhar que precisa ser um olhar de aceitação, de ver a beleza e é isso que eu venho tentando pregar e trazer para a sociedade”, destaca.

Marcela escreveu um livro e o lançou recentemente. Com o nome de “Contos de Mel – aprendizados e contos de uma maternidade atípica”, ela narra a sua jornada como mãe durante o primeiro ano de vida da Mel. “O livro surgiu de forma despretensiosa e de forma muito natural. Eu nunca pensei em ser escritora ou autora de um livro. Eu tinha muita dificuldade de falar sobre o que eu estava vivendo, de contar sobre a nossa rotina, então passei a escrever. Sempre gostei muito de ler e escrever, então aquilo para mim era muito mais fácil ‘jogar’ no papel. E dizem que o papel suporta tudo e de fato suportou, porque ele suportou todas as emoções, as dores e as lágrimas da minha nova vivência como mãe”, pontua.

A mãe e policial civil

A agora mãe Marcela já foi inspetora em delegacias como a Regional de Canindé, a então Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD), atualmente Delegacia de Narcóticos (Denarc), e hoje está lotada no 2º Distrito Policial, em Fortaleza. Ela conta que após o nascimento da Mel, ela levará muitas lições para o seu ambiente profissional.

“A maternidade transforma a mulher. Ela dá um olhar diferente a tudo, porque você tem um ser que depende de você e essa relação é muito engrandecedora. Você acaba voltando o olhar para as outras pessoas de uma forma mais acolhedora, de uma forma mais humana. Então, sem dúvidas, e não somente em razão da maternidade atípica, mas eu acho que uma mãe no serviço público, ela tem muito a contribuir no sentido de crescer o ambiente, por meio de um olhar mais atento ao próximo, e com um trato mais delicado e humano”, revela.

Ela finaliza deixando uma mensagem para todas as mães, sejam elas do sistema de segurança ou da população em geral. “A minha mensagem é universal para todas as mães. Amém, simplesmente amém, porque o amor transforma, ele constrói. O amor é capaz de tudo. Ele dá leveza na caminhada e nos faz seguir em frente”, disse.